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Dois coelhos de uma cajadada só

Por Jornal Valor / Luiz Carlos Merege   9 de outubro de 2001
Existe uma forte correlação entre o crescimento econômico e as transferências de recursos para o terceiro setor. A década passada foi marcada pela prosperidade contínua nos Estados Unidos e resultou em um crescimento espetacular da renda movimentada pelo terceiro setor. No início da década de 90 os estudos indicavam que o terceiro setor movimentava US$ 340 bilhões, passando para US$ 621 bilhões em 1996 e atingindo cerca de US$1 trilhão em 1999. Infelizmente, série histórica como esta só existe para os Estados Unidos, uma vez que o levantamento de informações econômicas sobre o terceiro setor ainda não se incorporou às Contas Nacionais dos demais países. Os dados acima permitem algumas considerações e comparações importantes. A movimentação de recursos pelo terceiro setor triplicou nos Estados Unidos durante a década, fazendo com que sua participação no PIB passasse de 6,3% para cerca de 10%. Esses valores movimentados pelo terceiro setor nos Estados Unidos, quando comparados com o PIB brasileiro, indicam que já em 1996 eram superiores a toda a riqueza gerada pela nossa economia e que em 1999 chegava ao dobro. Quando colocado ao lado das maiores economias mundiais, percebe-se que, em termos de PIB, representaria uma sétima posição, ficando pouco abaixo da economia italiana. Como o setor depende de transferência de renda, tanto do governo como das empresas e principalmente das famílias, assume-se que, em época de prosperidade, onde as incertezas com relação ao futuro são colocadas em segundo plano, existe um disposição maior para as doações. Os governos arrecadam mais, as empresas lucram mais (vide o crescimento dos índices da bolsa de Nova York durante a década passada) e o desemprego praticamente inexistia.

Por outro lado, os indicadores de concentração de renda mostram que essa prosperidade aumentou a desigualdade na distribuição de renda nos Estados Unidos, e em todos os países do mundo que partilharam dos efeitos econômicos da globalização.

Uma reflexão sobre a natureza econômica e social do capitalismo globalizado e da onda de crescimento do terceiro setor nas últimas duas décadas nos dava uma esperança em relação a possibilidade de uma política compensatória para minorar efeitos nocivos de tal processo. A equação econômica indica normalmente um desequilíbrio entre o potencial de geração de riqueza da economia mundial e a sua capacidade de absorção dessa mesma riqueza. A economia pós-industrial tem gerado uma oferta de bens maior que sua capacidade de absorção, tendo em vista a concentração de renda e a exclusão econômica, constituindo-se, em conseqüência, numa das principais causas das crises econômicas. Este desequilíbrio na arena econômica marcado por uma oferta maior que a demanda, é acompanhado, de um outro desequilíbio inverso na arena social, acarretando uma demanda por serviços sociais maior que a oferta. É neste contexto que o terceiro setor pode ser considerado como uma área estratégica para minorar esses desequilíbrios. Ao contrário do Estado moderno e da indústria robotizada, que vem diminuindo e eliminando postos de trabalho, o terceiro setor é talvez o único que permanece e permanecerá de mão de obra intensiva - o trabalho é caracterizado pelo fato de pessoas cuidarem do desenvolvimento de outras pessoas, o que limita a substituição do trabalho humano por máquinas. Por este motivo as taxas de crescimento do emprego no setor são, no mínimo o dobro da média registrada para o emprego em geral nos mais diversos países.

Um setor que movimenta trilhões de dólares e que possui uma grande capacidade geradora de emprego tornou-se crucial para a geração de renda e portanto para a demanda por bens e serviços, contribuindo para animar economias.

A recessão que estava chegando suavemente antes do 11 de setembro, teve uma aterrissagem forçada, empurrando as economias para o aumento acelerado do desemprego. Esta abrupta mudança no cenário econômico certamente resultará em um impacto negativo nas transferências de recursos para o terceiro setor. A incerteza com relação ao futuro subiu à estratosfera, devido não somente ao cenário econômico como ao clima de guerra que tomou conta do planeta.

Políticas Keynesianas caracterizadas pelo aumento dos gastos públicos, como forma de reanimar as economias, já estão sendo cogitadas de serem utilizadas. Não seria o caso de matar dois coelhos com uma cajadada só? Isto é, aumentar os gastos públicos , mas priorizar o seu direcionamento para o terceiro setor, pois desta forma poder-se-ia recuperar o nível de emprego e ao mesmo tempo minorar as mazelas sociais criadas pela lógica do capitalismo globalizado.



Luiz Carlos Merege professor titular, doutor pela Maxwell School of Citezenship and Public Affairs da Universidade de Syracuse, coordenador do curso de Administração para Organizações do Terceiro Setor e do Centro de Estudos do Terceiro Setor-CETS da FGV/EAESP

E-mail: merege@fgvsp.br

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