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Programa de investigação de paternidade deve crescer este ano

Por Renato Carbonari - Rebrates   20 de julho de 2017
Maximiliano Roberto Ernesto Fuhrer (foto divulgação)

Somente no Estado de São Paulo há 750 mil pessoas que não possuem o nome do pai no documento de identidade, de acordo com os cartórios de registro civil. Não ter a paternidade reconhecida acarreta consequências jurídicas, como a impossibilidade de requisitar herança, mas tem um peso psicológico ainda maior.

Há cerca de 10 anos foi criado o programa de investigação de paternidade pelo promotor Maximiliano Roberto Ernesto Fuhrer, da Vara da Família de São Bernardo do Campo, com o intuito de mudar esse quadro. Ao final de 2016, com o nome de Encontre Seu Pai Aqui, a iniciativa ganhou um reforço importante ao envolver a estrutura do Poupatempo nas ações que buscam localizar as figuras paternas.

Nos postos do Poupatempo de São Bernardo e São Paulo, qualquer pessoa maior de idade já pode preencher um formulário, que será encaminhado ao Ministério Público Estadual para as providências necessárias. Não há custo algum no processo.

E este ano, o programa pode ganhar uma dimensão ainda maior, ao ser levado para mais cidades paulistas, como Campinas e Ribeirão Preto. Além disso, o Ministério Público do Estado de São Paulo pretende firmar parcerias com a Secretaria Estadual de Educação, tendo assim acesso aos registros de alunos para identificar aqueles cuja o nome do pai não consta nos cadastros.

Em entrevista ao portal da Rebrates, Fuhrer, o idealizador do programa, fala sobre a importância do reconhecimento da paternidade.

Leia entrevista abaixo.

 

Rebrates – Do ponto de vista Jurídico, quais as consequências para alguém que não tem o nome do pai em seus documentos?

Maximiliano Fuhrer – Juridicamente ele não é herdeiro, não tem direito a alimentos (pensão). Para o pai, ele não exerce o poder familiar. Mas o aspecto jurídico é menos importante que o psicológico, que não se manifesta unicamente pela falta física de um pai, mas aparece de maneira recorrente em situações cotidianas. O simples fato de a pessoa ter de apresentar um documento gera um constrangimento, algo que se acumula a cada passo que essa pessoa dá na vida. Quando entra na escola, no emprego, na faculdade. Um dos primeiros casos que chegaram até mim na promotoria foi de uma pessoa já na casa dos 50 anos, que vivia com o pai, mas por falta de recursos, nunca conseguiu fazer a averbação da paternidade. Quando providenciei as novas certidões, todos choraram muito, não imaginava que isso poderia acontecer. Já me questionaram sobre a importância do nome do pai do ponto de vista da cidadania: não tenho a menor ideia. Mas pelo aspecto pessoal, é extremamente significativo.

Rebrates – Foi esse aspecto mais humano da questão que o levou a desenvolver o programa de reconhecimento de paternidade?

Fuhrer – Como promotor, o ponto de vista Jurídico me direcionou em um primeiro momento. Fiz um levantamento rápido aqui em São Bernardo do Campo e identifiquei mais de 10 mil crianças sem o nome do pai. Como ninguém havia atentado para isso? Então, desde 2005 venho adotando várias abordagens para o programa aqui na promotoria. Em uma dessas abordagens intimei mães a virem na promotoria para dar início ao reconhecimento da paternidade, mas isso gerou muito constrangimento a elas. Então pensei em adotar um local fixo, para que elas, ou os próprios filhos, pudessem dar início ao processo quando se sentissem à vontade. Assim, em 2016, começou a parceria com o Poupatempo em São Bernardo e na cidade de São Paulo.

Rebrates – Qual o papel do Poupatempo e do Ministério Público no Programa?

Fuhrer – O Poupatempo disponibiliza as fichas cadastrais e as envia ao Ministério Público. Com base nos dados inclusos nas fichas, os promotores tentam localizar os pais. Quando se trata da busca pela paternidade de crianças é mais fácil, porque geralmente o último contato com o pai é mais recente. Mas, para minha surpresa, nas fichas que recebemos do Poupatempo, 60% dos que buscam incluir o nome do pai no documento são adultos. Pessoas com 40, 50 anos, sem a paternidade reconhecida. Nesses casos, as referências dos pais são bem mais apagadas, o que dificulta nosso serviço.

Rebrates – Quando o pai é encontrado, o que acontece?

Fuhrer - Há diferentes situações. Nós primeiro questionamos o pai se ele concorda com a paternidade que a ele foi imputada. Um grande número concorda. Aí averbamos no registro de nascimento e emitimos uma nova certidão. Se o pai tem dúvida, pode fazer teste de DNA. Na defensoria pública existe um serviço de DNA consensual. Agora, se o pai é falecido, não é encontrado ou não concorda com a situação, fazemos de tudo para qualificar a paternidade, trazendo o máximo de dados sobre ele, e encaminhamos para a defensoria para promover uma ação que buscará provar se a pessoa em questão realmente é ou não o pai.

Rebrates - Existe alguma consequência jurídica para quem se recusa a reconhecer a paternidade?

Fuhrer – Sim. Há uma presunção contra ele, prevista no Código Civil, em caso de recusa. Isso, claro, após abertura de processo judicial. Por exemplo, se o teste de DNA é marcado e o suposto pai não comparece ao exame, então, ou ele apresenta uma boa justificativa, como uma internação hospitalar no dia, ou se presume contra ele a paternidade. Essa é uma novidade do código civil de 2002. A recusa funciona como uma presunção inversa.

Rebrates – O Ministério Público conseguiu identificar algum tipo de crime por meio do programa de reconhecimento de paternidade, ainda que esse não seja o objetivo?  

Fuhrer - Encontramos casos de um crime apelidado de ‘adoção à brasileira’. Algo tipicamente brasileiro, que consiste em registrar como seu o filho de outra pessoa. É um crime contra a família previsto no artigo 242 do Código Penal. Algumas mães vieram até nós para informar que quem registrou seu filho não foi o pai biológico. Mas essa situação fica cada vez mais complexa. Há um mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a paternidade socioafetiva, então, se alguém registra o filho de outrem, mas cria como sendo seu filho, tem respaldo em um posicionamento do Supremo. Assim, mesmo cometendo o crime, ele é pai, e pode ter o nome no registro de um filho que não é seu, ao lado do nome do pai biológico.

Rebrates – O senhor concorda com o posicionamento do Supremo?

Fuhrer – A decisão do Supremo, na verdade, acompanha a evolução da sociedade. Muitos companheiros criam o filho do outro como se fosse seu próprio filho. Na última decisão do tipo o Supremo disse que estão envolvidos os direitos hereditários. Ou seja, o avô do pai socioafetivo pode transmitir a herança para neto socioafetivo, embora nem o tenha conhecido. É complexo, mas está alinhado com os dias de hoje.

Rebrates – Voltando ao programa, ele tem surtido efeitos positivos?

Fuhrer – Em São Bernardo, desde outubro de 2016, atendemos 350 fichas, número que considero muito pequeno ainda. Esse tipo de abordagem livre, sem pressão, tende a dar um resultado mais lento mesmo. Mas faltam campanhas de divulgação. Esse é um programa que vive de divulgação. Quando sai uma publicidade o aumento é grande. Tenho expectativa de que, com o tempo, no boca-a-boca a proposta ganhe notoriedade no Estado todo, mas sem dúvida a divulgação é muito importante.

Rebrates – E existe a expectativa de expandir o programa para além de São Paulo e São Bernardo do Campo?

Fuhrer - Em agosto estamos planejando levar o programa para o Poupatempo de Campinas, Guarulhos, Ribeirão Preto e São José dos Campos. E mais para frente levar para toda a Grande São Paulo e cercania. Queremos fazer isso até o final do ano. Além disso, estamos tentando firmar convênio com a Secretaria Estadual de Educação, para ter acesso aos cadastros das escolas. Também com a Secretaria Estadual de Justiça. Há ainda experiências com a administração penitenciária. Enquanto nas escolas temos 4% de alunos sem o nome do pai, entre a população carcerária são 14%. Agora, algo que ainda não conseguimos, mas seria um caminho importante, é trazer os empresários para o programa. O departamento pessoal de uma empresa, com os registros dos funcionários, pode ser uma grande fonte para nossas ações. A empresa poderia alertar o funcionário que não possui o nome do pai registrado sobre a possibilidade de resolver a situação, enviando o caso para o Ministério Público.

 

Renato Carbonari - Jornalista / REBRATES

 

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