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Aproximando-se do terceiro setor

Por Jornal Valor - Anamaria Schindler   13 de novembro de 2001
Em geral, os assuntos tratados nesta coluna são a atuação das empresas e das ONGs na comunidade, no desenvolvimento de projetos sociais e na responsabilidade social. Tais temas são tratados tanto do ponto de vista das empresas, quanto do das Organizações Sem Fins Lucrativos, também denominadas Organizações da Sociedade Civil, Organizações Sociais ou ainda ONGs (Organizações Não Governamentais).

Desde o final dos anos 80 e, principalmente na década de 90, houve um crescente interesse sobre o assunto e uma atuação maior das empresas e das ONGs. O Terceiro Setor cresceu cresceu e tornou-se dinâmico. Uma característica fundamental deste crescimento nos últimos anos é a relação que se estabeleceu com os setores público e privado. A palavra "parceria" passou a basear às relações estabelecidas entre ONGs, governos e empresas. Relações estas que vão no caminho do desenvolvimento de projetos conjuntos e da construção de conhecimento a partir do que é específico de cada setor.

Se antes era impensável uma mesa de negociação com representantes dos três setores, hoje já passamos para a fase de sistematização das experiências de parceria entre eles, acumuladas ao longo das últimas duas décadas. No entanto, no que diz respeito à relação entre empresas, comunidades e organizações sociais, há ainda muito que se avançar e aprender.

As práticas que vemos com maior freqüência na atuação social das empresas são a doação, o investimento social (aquele que espera e mensura o retorno social do investimento), o desenvolvimento de projetos e de programas sociais da empresa (com ou sem parceria com ONGs), o voluntariado empresarial, ou até mesmo a abertura de uma fundação ou instituto vinculado à empresa. As parcerias são vistas com menor freqüência. Isto porque, a relação que historicamente se estabeleceu entre os setores é a relação de tutela, de paternalismo e de caridade. Pouco se avançou no sentido de reconhecer o potencial, a experiência e o conhecimento entre os setores. Temos um longo caminho pela frente para compreendermos que empreendedores sociais e empresários podem gerar benefícios mútuos, trabalhando juntos.

Foi com base nestes fatores, que a Ashoka realizou recentemente, na região Sul do país, o Primeiro Encontro Empresarial: Empreendedorismo e Práticas Ambientais Inovadoras, no qual empresários e executivos se reuniram com empreendedores sociais para discutir o tema das parcerias entre os setores social e privado. Na verdade, o tema foi tratado de uma maneira exemplar: os empreendedores sociais se juntaram aos seus parceiros de negócios para, juntos, apresentar casos bem sucedidos de parcerias, com seus resultados, processos, metodologias e aprendizados.

Na ocasião foram apresentados três casos de parcerias na área ambiental, que estão em diferentes estágios de desenvolvimento. Maurício de Souza e Leila Novak, do Parque da Mônica e do Projeto Curumim, respectivamente, estão trabalhando há um ano com reciclagem de lixo e mobilização comunitária para conscientização sobre a importância da reciclagem. A Transpetro já tem uma parceria há mais de cinco anos com o Grupo de aplicação Interdisciplinar à Aprendizagem, Gaia na realização de projetos de educação ambiental e treinamento nesta área para os funcionários da empresa. O terceiro exemplo, ainda recente, é o de Clóvis Borges, fundador da Sociedade de Pesquisa da Vida Selvagem e Educação Ambiental, SPVS, e a GM. Estão definindo um projeto de longo prazo na área de conservação, envolvendo créditos de carbono.

Estiveram presentes cerca de quarenta empresas, todas da Região Sul do país: Multibrás, Tok&Art, Embraco, Argafácil, Cepagro, Ciser, entre outras. A escolha da região Sul se deu pela necessidade de expansão da mobilização e da discussão sobre parcerias entre os setores para além do eixo Rio/São Paulo. Além disto, segundo dados do Ipea, a região Sul investe na área social 0,2% do PIB regional, ou seja, cerca de R$ 320 milhões.

Na ocasião da reunião, todas as empresas presentes responderam a uma pesquisa, desenvolvida pela Ashoka, em parceria com a McKinsey, que revelou alguns elementos sobre a atuação empresarial em parcerias com o Terceiro Setor na região. Das empresas presentes, 73% identificam que já estabeleceram parcerias com empreendedores sociais e ONGs e 92% que a busca do parceiro se deu através de contatos pessoais, empresariais ou mesmo por indicação de organizações do Terceiro Setor. Entre os critérios utilizados pelas empresas para selecionar o melhor parceiro na área social, 33% apontam a credibilidade da organização como fator determinante, 26% disseram que o projeto social deve estar afinado com os interesses da empresa e 22% defenderam a qualidade do projeto como prioridade. Apenas 7% indicaram que o critério determinante é o orçamento do projeto compatível com o orçamento da empresa.

Mas o que parece ter sido extremamente relevante, tanto para os empreendedores sociais da Ashoka, quanto para os empresários, é a extensão de conhecimento e a compreensão de que a parceria é uma oportunidade para ambas as partes. Para a empresa, é a possibilidade de exercer seu papel com relação à sociedade. Para o empreendedor social é o canal para fortalecer seu trabalho e projetar um maior impacto social. Para ambos, é um meio de agregar valor, técnicas, conhecimento e recursos para um objetivo comum: o desenvolvimento social.



Anamaria Schindler é mestre em sociologia, vice-presidente internacional de parcerias estratégicas da Ashoka Empreendedores Sociais.

E-mail: Anamaria_Schindler@mckinsey.com

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